Você já comeu ariá? tubérculo de 9.000 anos entra no menu da COP30 e pode chegar à sua mesa

Você já comeu ariá? tubérculo de 9.000 anos entra no menu da COP30 e pode chegar à sua mesa

Belém se prepara para receber líderes globais enquanto um ingrediente amazônico ressurge nas panelas, cruzando tradição, ciência e sabor local.

Nas vésperas da COP30, cozinhas e comunidades da Amazônia voltam a falar de um tubérculo esquecido. Ele carrega memória afetiva, inspira chefs e abre uma frente concreta para renda e segurança alimentar.

O que vai chegar ao prato na COP30

O ariá, alimento ancestral consumido há mais de 9.000 anos por povos amazônicos, vai entrar nos cardápios oficiais da conferência em Belém. A inclusão ocorre dentro do movimento Na Mesa da COP30, liderado pelos institutos Regenera e Comida do Amanhã, que mapeou 8.000 famílias aptas a fornecer ingredientes da floresta com origem rastreável e produção de baixo impacto.

Pela primeira vez, a cúpula do clima assumiu uma meta de cardápio: ao menos 30% dos pratos com ingredientes da agricultura familiar, da agroecologia e de comunidades tradicionais.

A iniciativa pretende mostrar, no prato, caminhos de adaptação e mitigação. Ao dar visibilidade a cadeias curtas, a conferência aproxima quem produz de quem decide políticas públicas. E coloca no centro um ingrediente que quase sumiu das feiras urbanas: o ariá.

A redescoberta do ariá

Com casca fina e polpa clara, o ariá oferece textura delicada e sabor levemente adocicado, que lembra milho verde. Ele aceita diferentes técnicas e aparece bem em receitas salgadas e doces. Em muitas casas ribeirinhas, a memória de infância vem com cheiro de cozinha de lenha e panela de ferro.

  • Cozer e servir como acompanhamento, em pedaços firmes que absorvem molhos.
  • Transformar em mingau cremoso para café da manhã ou merenda.
  • Assar na brasa para ganhar notas defumadas.
  • Fatiar fino e fritar, virando chips crocantes.
  • Amassar e fazer purê, combinando com peixes amazônicos.
  • Usar em bebidas, como leites vegetais aromatizados com especiarias.

Ainda é raro encontrá-lo em grandes mercados e, quando aparece, custa mais do que a batata inglesa. A oferta instável elevou o preço e empurrou muitos cozinheiros a plantar pequenas touceiras nos quintais, mantendo o ciclo vivo.

Do quintal ao salão do restaurante

Em Manaus, o chef Hiroya Takano, do restaurante Shin Suzuran, trabalha com o tubérculo desde 2015. Ele serve o ariá em saladas, com molhos como sukiyaki ou curry, e combina com PANCs para valorizar sabores amazônicos contemporâneos. Evita o forno por ressecar a polpa e privilegia salteados rápidos após cozimento longo.

Como a cadeia de abastecimento ainda engatinha, Takano planta no próprio quintal e inclui o ingrediente quando a safra permite, principalmente entre julho e setembro. A aposta mira curiosidade e memória de sabor — estratégia parecida com a que ele usou para popularizar o peixe cru décadas atrás.

Versátil e crocante, o ariá gruda no molho e entrega textura; precisa de mais tempo no fogo que a batata, e isso muda a técnica.

Juventude amazônica puxa a fila

A seca severa de 2023 isolou comunidades e escancarou o risco da fome. Nesse cenário, o estudante manauara Eli Minev Benzecry, 17, resgatou histórias contadas pela avó e transformou o tema em ação. Em parceria com o Inpa, levou o ariá para sistemas agroflorestais em Manaus e mais nove municípios do Amazonas, fortalecendo o cultivo junto a famílias que já conheciam o tubérculo.

O projeto de Eli também virou livro — “Ariá: um Alimento de Memória Afetiva” — distribuído em mais de cem bibliotecas da região, com receitas de chefs que ajudaram a recolocar o ingrediente na conversa nacional, entre eles Alex Atala, Deborah Shornik e Felipe Schaedler. A proposta mira cardápios caseiros, restaurantes e merenda escolar, unindo sabor, cultura e renda local. O jovem foi reconhecido entre os Jovens Transformadores pelo Clima no Prêmio Empreendedor Social 2025.

Quando o alimento certo encontra a escola, o restaurante do bairro e a feira local, a floresta ganha aliados e a renda melhora.

Sabor, nutrição e clima

O ariá concentra amido de boa qualidade, fibras e minerais como potássio. Entrega saciedade sem excesso de gordura e se adapta bem a dietas com menos ultraprocessados. Demanda cozimento mais longo, o que pede planejamento: cozinhe em água abundante até ficar macio por fora e firme no centro; depois, finalize na frigideira, no carvão ou no caldo.

Resistência à seca aparece como trunfo. Em anos de estiagem, o tubérculo mantém produtividade razoável em sistemas agroflorestais, ajudando a compor cestas da agricultura familiar quando outras culturas falham. Esse comportamento cria uma almofada de segurança para comunidades e reduz a pressão por ampliar roças sobre a floresta.

Atributo Ariá Batata inglesa
Sabor Adocicado, lembra milho verde Neutro, ligeiramente terroso
Textura Firme e crocante quando bem finalizado Macia e farinhenta dependendo da variedade
Tempo de cozimento Mais longo Mais curto
Preço Geralmente mais alto e sazonal Estável e mais barato
Disponibilidade Baixa em grandes centros Alta em todo o país
Usos ideais Molhos intensos, brasa, chips, mingau Purê, assados, frituras, cozidos

Como testar em casa sem errar

  • Escolha raízes firmes, sem pontos escuros ou cheiros estranhos.
  • Lave bem; cozinhe em água com sal até o garfo entrar com leve resistência.
  • Finalize salteando na manteiga ou no azeite com alho, coentro e pimentas amazônicas.
  • Para chips, fatie fino, seque com pano e frite em óleo quente; salgue ainda quente.
  • Combine com PANCs (taioba, ora-pro-nóbis, jambu) para realçar textura e cor.
  • Experimente molhos encorpados: tucupi, curry, sukiyaki ou redução de peixe defumado.

O que muda para quem produz

A demanda da COP30 pode abrir mercado estável para centenas de famílias, desde que venha junto com assistência técnica, compras públicas e logística. Programas como o PAA e o PNAE conseguem absorver produção local quando a documentação e o transporte funcionam. O mapeamento das 8.000 famílias cria um ponto de partida para contratos justos e previsíveis.

O ariá se dá bem em arranjos agroflorestais com sombra parcial e manejo de solos vivos. Pequenos produtores podem intercalar o tubérculo com frutíferas e madeiras leves, reduzindo riscos e aproveitando resíduos como cobertura morta. Para não pressionar áreas sensíveis, o avanço precisa acontecer sobre roçados já abertos, com assistência e calendários de plantio alinhados às cheias e vazantes.

Quando o cardápio muda, a renda local segue junto: cadeia curta, preço justo e floresta em pé caminham no mesmo sentido.

Depois da conferência, o desafio de ficar

Passada a COP30, o teste será transformar curiosidade em hábito. Restaurantes podem reservar um dia da semana para pratos amazônicos com ariá, garantindo compra recorrente. Feiras e empórios de bairro ganham ao sinalizar origem e safra, educando o consumidor sobre preparo e tempo de cozimento. A comunicação precisa ser simples: o tubérculo cozinha devagar, mas recompensa no sabor e na textura.

Há riscos. Se a procura crescer rápido, atravessadores podem pressionar preços na ponta e achatar o ganho do produtor. Contratos com volume e preço definidos com antecedência evitam corrida oportunista. Selos de origem e acordos com cooperativas protegem a renda e mantêm boas práticas ambientais.

Informações práticas para quem quer começar

  • Restaurantes: introduza o ariá em entradas e acompanhamentos, onde a margem para testar é maior.
  • Merenda escolar: prepare mingaus e cozidos de fácil aceitação, servidos com frutas regionais.
  • Compra pública: priorize associações locais com logística fluvial ativa e calendário de safra definido.
  • Pesquisa e extensão: registre tempos de cozimento e rendimento por variedade para padronizar preparo.

Para consumidores, uma regra simples ajuda: cozinhe antes, finalize depois. Para produtores, diversidade no roçado e venda planejada blindam a renda. O ariá sai da condição de raridade e ganha função estratégica quando conecta mesa, floresta e cidade em um mesmo movimento.

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