Você já passou pelo centro de Santos? Washington tem café às 5h, 300 pastéis e histórias vivas

Você já passou pelo centro de Santos? Washington tem café às 5h, 300 pastéis e histórias vivas

Chapo — Sob toldos verdes e 111 anos de portas abertas, um endereço do Centro de Santos reúne rotinas, afetos e receitas cheias de memória.

Aromas de pastel recém-frito chegam antes do balcão. Garçons chamam clientes pelo nome. Em pé no salão ou nos bancos, trabalhadores do porto, turistas e fregueses antigos dividem mesa e conversa. O Restaurante Washington, em frente à Praça da Alfândega, faz parte do cotidiano santista com a naturalidade de quem viu gerações crescerem entre cafés às 5h e almoços fartos.

A porta que abre antes do sol

O Washington funciona de segunda a sexta, das 5h às 21h. A jornada começa quando muita gente ainda dorme. Às 4h15, José de Oliveira Costa, o Zé, já está no mercado. Às 5h, o salão recebe os primeiros cafés, com leite quente, pão na chapa e o famoso mistinho. Aos sábados, o salão fecha para uma faxina caprichada na copa e na cozinha, uma rotina que dá segurança a quem frequenta há décadas.

Portas abertas às 5h. Fechamento às 21h nos dias úteis. Sábado dedicado à limpeza completa do espaço.

O movimento raramente cessa. Comerciantes, advogados, estivadores e visitantes dividem espaço com antigos habitués. Muitos chegam com o pedido pronto, quase um ritual: pastel de carne, misto temperado, parmegiana para compartilhar. O atendimento, direto e cordial, mantém uma liturgia que faz diferença.

Gente que faz o dia acontecer

O português Antônio Manuel Sobral, 87, administra a casa há 33 anos. Ele comprou o ponto em 1992, depois de anos trabalhando em restaurantes. Ao lado dele está Zé, 69, parceiro de 55 anos, que garante a engrenagem diária funcionar. Do outro lado do balcão, nomes conhecidos viraram quase de família: Florisvaldo Benedito de Lima, o Lima, 69, garçom desde 1986; Maykon Liminha, 43, há 25 anos no salão; e Zé Carlos, cozinheiro que começou aos 14 e segue no comando da grelha.

Equipe fiel, pouca rotatividade e vínculo com fregueses antigos criam uma relação de confiança rara na restauração.

  • Clientela cativa: trabalhadores do porto, comerciantes e profissionais do direito.
  • Fluxo constante no café da manhã, almoço e fim de tarde.
  • Serviço direto, com garçons que conhecem pedidos e preferências.

Um prédio que já foi hotel e sobreviveu ao fogo

O imóvel do restaurante data de 1839 e já abrigou o célebre Hotel Roma e o Hotel dos Estrangeiros. A localização, ao lado do porto e do centro, fez do endereço uma parada de viajantes. Em 1914, um incêndio atingiu o Hotel dos Estrangeiros e a fábrica de fumos que funcionava no térreo. Veio a reforma; nasceram o Hotel Washington e, no piso térreo, o restaurante que preservou o nome e a função até hoje.

De hospedaria antiga a mesa cativa: o endereço do Washington atravessou incêndio, reformas e mudanças na cidade.

A permanência do restaurante no Centro Histórico ajuda a manter vida na região, especialmente fora do horário comercial. O vaivém de fregueses ao amanhecer e no fim da tarde oxigena o entorno e reforça a vocação de rua viva, com comércio tradicional e circulação de gente a pé.

Sabores que atravessam décadas

O cardápio combina clássicos de salão com pratos fartos para compartilhar. O filé mignon à parmegiana, suficiente para até cinco pessoas, custa cerca de R$ 300 e costuma sair sem parar. O Peixe à Belle Meunière, com alcaparras, camarão e legumes salteados, mantém clientela fiel. O consumo de carne impressiona: cerca de seis caixas de filé mignon por semana, cada uma com 25 quilos, contra uma caixa de contrafilé no mesmo período.

Os pastéis artesanais, com massa feita na casa, são uma instituição à parte. São em média 300 por dia, a R$ 12 cada, em recheios como carne, queijo, palmito, camarão, carne seca e bacalhau. Uma mudança recente ajudou a elevar a qualidade: a carne passou a ser moída no próprio restaurante, apenas na quantidade do dia, o que reduziu reclamações e acelerou as vendas.

Há ainda o mistinho em duas versões — tradicional (presunto e queijo) e temperado (com tomate, orégano e cebola) —, além de croissants e um prato que virou assinatura, o Meca Santista, preparado com linguado no lugar da meca, camarões grelhados, risoto de pupunha e farofa de banana com abacaxi.

Prato Descrição Preço
Filé mignon à parmegiana Serve até 5 pessoas, molho de tomate e queijo gratinado cerca de R$ 300
Peixe à Belle Meunière Peixe com alcaparras, camarão e legumes salteados
Pastéis artesanais Carne, queijo, palmito, camarão, carne seca e bacalhau R$ 12 (cada)
Mistinho Tradicional ou temperado (tomate, orégano e cebola)
Meca Santista Linguado, camarões grelhados, risoto de pupunha e farofa de banana

Números que contam a história no prato

  • 6 caixas de filé mignon por semana (25 kg cada) — cerca de 150 kg.
  • 1 caixa de contrafilé no mesmo período — preferência clara do público.
  • 300 pastéis por dia — massa feita na casa e produção contínua.

Fazer a própria moagem da carne, só na quantidade do dia, elevou a qualidade e impulsionou as vendas.

Nomes que viraram referência

Lima atravessou administrações e segue como um dos rostos mais queridos do salão. Liminha, filho de garçom, carrega a escola do atendimento olho no olho e não esconde a gratidão a “seu Toninho” e ao Zé. Na cozinha, Zé Carlos fixou o padrão do tempero e a cadência de grelha que faz o parmegiana chegar tinindo sem perder suculência. Essa base humana ajuda a explicar por que 90% da clientela é conhecida e volta sempre.

Por que preservar um clássico local

Comércio histórico não é só nostalgia. Ele sustenta empregos, reforça a identidade do bairro e cria pontos de referência para moradores e visitantes. No Centro Histórico de Santos, onde a revitalização urbana depende de fluxo real de pessoas, casas como o Washington irradiam movimento desde a madrugada, sustentando padarias, mercadinhos e serviços ao redor. A regularidade de horários e a atenção a direitos trabalhistas mostram que tradição e gestão responsável podem andar juntas.

Planeje sua visita

  • Vai cedo? O café das 5h a 7h é tranquilo e tem atendimento rápido.
  • Almoço: chegue um pouco antes do meio-dia para evitar fila.
  • Compartilhe: o parmegiana serve grupos; peça acompanhamentos conforme a fome da mesa.
  • Quer algo leve? Pastel + café resolvem o lanche e cabem no bolso.

Exemplo de gasto para quatro pessoas: um filé à parmegiana por cerca de R$ 300, duas guarnições simples e bebidas não alcoólicas. Para um lanche rápido, quatro pastéis saem por R$ 48, com variedade de recheios. No jantar cedo, a cozinha mantém o padrão dos horários de pico, o que facilita quem trabalha por perto.

Curiosidades e contexto

  • Os toldos verdes tornaram-se marca visual do ponto, na frente da Praça da Alfândega.
  • O prédio de 1839 já foi endereço de dois hotéis célebres e renasceu após o incêndio de 1914.
  • O sábado fechado para a limpeza detalhada ajuda a manter a confiança dos fregueses antigos.

Para quem estuda ou gosta de história da cidade, o Washington serve como caso real de permanência: um negócio que alinhou cardápio reconhecível, serviço com memória e disciplina operacional. Em tempos de rotatividade alta na restauração, ter gente que acorda às 4h para comprar ingredientes e moer a carne do dia explica por que aquela mesa continua cheia, semana após semana.

Se você circula pelo Centro de Santos, vale observar como um restaurante assim organiza a rua: atrai fluxo já no amanhecer, cria convivência, sustenta vínculos e ajuda a contar a cidade. Entre um pastel de R$ 12 e um parmegiana que reúne a família, há 111 anos de práticas que fizeram escola — e um pedaço da memória santista que segue de portas abertas antes do sol.

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *