Você pagaria R$ 3.800 por 1 kg? ‘ouro branco’ do mar muda o seu bolso e vidas no Pará: carne a R$ 27

Você pagaria R$ 3.800 por 1 kg? ‘ouro branco’ do mar muda o seu bolso e vidas no Pará: carne a R$ 27

Uma peça quase invisível do peixe virou objeto de desejo no outro lado do mundo e sacudiu vilas do Pará.

A bexiga natatória da pescada-amarela, o “grude”, hoje movimenta exportações, cria novas rotinas na pesca artesanal e acende alertas ambientais. O produto deixou a sombra do porão dos barcos e ganhou vitrines de luxo na Ásia.

O que é o ‘grude’ e por que vale tanto

A bexiga natatória é o órgão que ajuda o peixe a flutuar. Na pescada-amarela (Cynoscion acoupa), ela é espessa e rica em colágeno. Essa característica agrada mercados da China, do Vietnã e de Hong Kong, onde o produto aparece em sopas e tonificantes. O consumo associa prestígio social à raridade.

O quilo pode chegar a US$ 701,95 lá fora, cerca de R$ 3,8 mil. No Brasil, compradores pagam até R$ 2,8 mil.

O contraste com a carne do mesmo peixe chama atenção. Enquanto o filé vale cerca de R$ 27 o quilo, a bexiga seca rende até 140 vezes mais. O ganho muda orçamentos familiares e redireciona a pesca em estuários e manguezais.

Fatores que inflacionam o preço

  • Alta concentração de colágeno desejada por cozinhas tradicionais asiáticas.
  • Oferta limitada e sazonalidade da captura em áreas costeiras do Norte e Nordeste.
  • Demanda de luxo ligada a status e a presentes em ocasiões especiais.
  • Cadeia com intermediários e seleção por tamanho e integridade da bexiga.
  • Risco de escassez que pressiona o valor do produto premium.

Em mercados seletos, a bexiga virou símbolo de poder. O preço supera o de itens de grife por quilo.

Da costa do Pará às mesas asiáticas

A espécie ocupa todo o litoral brasileiro, com maior presença no Norte e Nordeste. No Pará, municípios como Vigia e Bragança viram o “grude” virar o principal item de exportação da pesca artesanal local. O trabalho começa a bordo. A bexiga é retirada no barco e seca ao sol ou em pequenas estufas. Em terra, atravessadores agregam volume e padronizam lotes para exportadores.

Relatos de campo apontam a mesma lógica econômica. A venda da carne paga combustível e gelo. A bexiga cobre as despesas da casa e, em bons períodos, garante investimento em redes e motores. O dinheiro entra rápido, mas depende de qualidade de secagem, tamanho da peça e contato com compradores confiáveis.

Como a cadeia funciona

  • Captura em estuários e manguezais, com foco em indivíduos maiores.
  • Retirada imediata da bexiga, limpeza e secagem controlada.
  • Classificação por tamanho e integridade do tecido.
  • Compra por intermediários e consolidação de lotes.
  • Envio a centrais de comércio que atendem encomendas do mercado asiático.
Produto Preço por quilo (referências recentes)
Bexiga natatória seca (exterior) US$ 701,95 ≈ R$ 3,8 mil
Bexiga natatória seca (Brasil) Até R$ 2,8 mil
Carne de pescada-amarela R$ 27

Sinal amarelo para a pescada-amarela

O boom de preços impulsiona viagens mais longas e maior esforço de pesca. A captura de grandes indivíduos, mais valiosos, reduz reprodutores. O risco de sobrepesca cresce em ambientes frágeis, como manguezais. Pesquisadores da Universidade Federal do Pará monitoram a pressão sobre a espécie e a renda local. A falta de dados padronizados sobre desembarques e tamanho dos peixes dificulta medidas preventivas.

Estudos recentes apontam que a ausência de rastreabilidade abre portas para rotas paralelas. Sem controle, a corrida por bexigas pode colapsar estoques regionais e provocar efeito cascata em ecossistemas costeiros. A pesca se torna menos previsível. A comunidade perde estabilidade de renda.

O que diz a regulação

O Ministério da Agricultura criou regras para classificar a bexiga por tipo de processamento e destino, alimentício ou industrial. A norma busca padronizar lotes e reduzir fraudes. Especialistas avaliam que a fiscalização ainda não acompanha a velocidade do comércio. Parte do produto pode sair por canais irregulares. O desafio é transformar o controle em rotina no desembarque e ao longo de toda a cadeia.

Caminhos para manter renda e evitar colapso

Há alternativas viáveis para conciliar faturamento e conservação. Elas exigem organização comunitária e presença do poder público nos pontos de coleta e venda. Investimentos simples trazem retorno rápido.

  • Rastreabilidade digital por QR code no desembarque, com data, área de captura e tamanho do peixe.
  • Defeso efetivo em períodos reprodutivos, com compensação financeira e fiscalização por rio e por estrada.
  • Tamanho mínimo e malha adequada para proteger reprodutores e juvenis.
  • Cooperativas locais para negociação direta, melhorando preço e transparência.
  • Selo de origem para bexigas secas com padrão sanitário e classificação clara.
  • Secagem em estufas de baixa energia, reduzindo perdas por mofo e contaminação.

Quanto rende para você?

Um exemplo hipotético ajuda a visualizar o impacto. Se uma família de pesca acumular 1 kg de bexiga seca ao longo de alguns dias e vender no mercado interno por R$ 2,8 mil, e simultaneamente comercializar 30 kg de carne a R$ 27, a receita bruta somaria R$ 2,8 mil mais R$ 810. Os custos com combustível, gelo, manutenção e taxas precisam entrar nessa conta. A margem melhora com padronização de qualidade e venda coletiva.

O que o consumidor deve saber

Na Ásia, a bexiga integra receitas tradicionais e tonificantes. Benefícios sugeridos incluem melhora de pele, ossos e articulações. A medicina moderna ainda avalia a eficácia dessas alegações. Quem compra produtos de alto valor deve verificar origem e processamento. Fraudes com espécies substitutas existem em cadeias pouco transparentes.

Para o Brasil, a cadeia pode render mais se agregar valor local. Laboratórios e pequenas fábricas podem transformar parte das bexigas em insumos para alimentos, cosméticos e biofilmes. Essa estratégia gera empregos, reduz a dependência de atravessadores e qualifica a produção para mercados exigentes.

Riscos e oportunidades no horizonte

A demanda internacional tende a permanecer aquecida enquanto houver oferta premium. O risco maior está no esgotamento regional e na perda de qualidade do produto por secagem inadequada. A oportunidade está em organizar a pesca, separar lotes por padrão e garantir documentação. Onde há regra clara e fiscalização próxima, o preço melhora e a atividade continua de pé.

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *