Entre vagões e lembranças, um percurso diário ganhou outras camadas. Materiais comuns revelam histórias que o olhar apressado ignora.
Quem se desloca entre Maracanaú e Fortaleza conhece o ritmo do trilho. Agora, esse caminho vira matéria poética, social e histórica, ocupando a Estação Benfica durante novembro com obras que aproximam o público da própria experiência de ir e vir.
A viagem cotidiana que virou obra
Léo Silva cresceu à beira dos trilhos da Linha Sul e fez da rotina um laboratório sensível. As idas e vindas da infância, do trem ao metrô, passaram a ser registradas em vídeo, imagem e corpo. O artista recolheu percepções, gestos, sons e marcas do território. Dessa observação nasceu uma pesquisa que une deslocamento, memória e pertencimento de quem usa o transporte público todos os dias.
A mostra reúne vídeos, fotografias, performances e instalações. Nada aqui exige um olhar especializado. O visitante reconhece texturas, cheiros e formas familiares. Terra, café, açúcar e algodão aparecem como pistas, acionando lembranças e provocando perguntas sobre origem, trabalho, clima e migração.
Viagem, corpo e trilho formam um mesmo campo: experiência pessoal, história coletiva e ecologia urbana em contato direto.
Quando e onde ver
A exposição ocupa a Estação Benfica, em Fortaleza, de 1º a 30 de novembro, com acesso gratuito de terça a sábado, das 8h às 22h. O espaço fica em área aberta ao público, o que facilita a visita para quem já circula pela estação.
| Evento | Exposição Linha Sul |
|---|---|
| Local | Estação Benfica (área aberta ao público), Fortaleza |
| Período | 1º a 30 de novembro |
| Dias e horários | Terça a sábado, das 8h às 22h |
| Acesso | Gratuito |
Corpo, território e deslocamento
A proposta reposiciona o foco da capital para as bordas da cidade. Em vez de cartões-postais, surgem bairros, quintais, oficinas e pontes. O corpo em movimento funciona como sensor do espaço: cansaço, espera, velocidade, aceleração e freada viram material de pesquisa. A obra convida o público a prestar atenção nas travessias e nas camadas invisíveis do cotidiano metropolitano.
Ao usar elementos da vida comum, o artista fricciona o olhar urbano. Café, açúcar e algodão remetem à economia e ao trabalho. Terra e água ativam a memória ambiental e os ciclos climáticos do semiárido. Esses elementos, combinados com vídeo e performance, criam uma ecologia estética que fala de migrações, secas e sobrevivências.
- Materiais presentes nas obras: terra, água, café, açúcar e algodão.
- Suportes utilizados: vídeo, fotografia, performance e instalação.
- Eixos curatoriais: corpo, território, memória e mobilidade.
Ao deslocar o olhar do centro para a periferia, a mostra reabre conversas sobre quem produz a cidade e para quem ela funciona.
Trilho antigo, questões de agora
A Linha Sul tem raízes no século XIX. A antiga Estrada de Ferro de Baturité foi erguida na segunda metade daquele século, mobilizando retirantes da seca em obras de socorro público. A via férrea conectou economia, água e comida, mas também registrou dores e partidas. Hoje, o metrô sobrepõe novas camadas a esse traçado, levando estudantes, trabalhadores e famílias, todos os dias, em direção ao centro e de volta para casa.
Essa continuidade histórica aparece nas obras. Arquivos e mapas conversam com as imagens feitas em viagem. Velhas estruturas dividem espaço com composições mais sensoriais. O resultado situa o transporte sobre trilhos como uma espinha dorsal da metrópole, onde o passado da ferrovia encontra o presente do sistema metroviário.
Parceria que transforma estação em praça cultural
O Metrofor participa do projeto, reconhecendo que ações artísticas nas estações aproximam o sistema das pessoas e ampliam o valor do transporte público como lugar de convivência. O fluxo de quem passa para trabalhar, estudar e cuidar da vida cria um público diverso e atento, capaz de ativar leituras múltiplas das obras.
A exposição recebe apoio do 13º Edital Ceará das Artes, na linguagem de Artes Visuais, realizado pela Secretaria da Cultura do Ceará (Secult CE), com recursos da Lei Federal nº 195/2022, conhecida como Lei Paulo Gustavo. O arranjo financeiro reforça a rede de políticos culturais que sustenta a produção e a circulação de artistas cearenses.
Estação ativa, arte gratuita e financiamento público formam um triângulo que devolve cultura ao trajeto cotidiano.
Quem é o artista
Léo Silva nasceu em Maracanaú. É historiador, mestre em Comunicação e doutorando em História. Formou-se em audiovisual na Vila das Artes. A pesquisa ferroviária também tem uma referência afetiva: o pai integrou a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), o que aproximou a família da cultura do trilho. Desde 2016, o artista articula arte, ecologia e performance, com trabalhos apresentados no MAC-CE, na Pinacoteca do Ceará e na Casa de Saberes Cego Aderaldo. Em Linha Sul, ele reúne aprendizados e metodologias, condensando seu percurso em uma montagem única.
O que você vai encontrar ao visitar
As obras constroem ambientes de atenção. O visitante percebe a vibração do trem, a luz que entra pelas janelas e o som metálico que marca o tempo. Pequenas ações performativas reapresentam o gesto de esperar o próximo embarque. Fotografias mostram detalhes de bairros e encostas vistos do vagão. Instalações com terra e algodão tratam de raízes e deslocamentos. O conjunto produz uma experiência que se equilibra entre arquivo e sensorialidade.
- Entrada livre, sem necessidade de agendamento.
- Visitação ampla, das 8h às 22h, ideal para quem sai do trabalho ou da escola.
- Ambiente com circulação constante, recomendável reservar ao menos 30 minutos.
- Procure percorrer a mostra em silêncio para perceber som e vibração do espaço.
Por que isso interessa a quem usa a Linha Sul
A mostra mexe com hábitos. Ao destacar o trajeto, ela devolve ao passageiro a autoria da experiência. Cada um carrega histórias, afetos e perdas. O trabalho reconhece esse repertório e o coloca em campo. O efeito imediato é a mudança de postura: olhar para fora do vagão deixa de ser um reflexo e passa a ser uma escolha consciente.
Há também um ganho concreto para a cidade. Aberturas culturais nas estações fortalecem a sensação de pertencimento, aumentam o uso qualificado dos espaços e favorecem encontros. Com isso, o transporte público se afirma como eixo vital não apenas de mobilidade, mas de convivência e produção simbólica.
Informações complementares para o visitante
Para quem pretende incluir a exposição na rotina, vale combinar a visita com horários de menor fluxo, como o meio da manhã. Pessoas com sensibilidade a cheiros podem preferir áreas mais ventiladas, já que alguns trabalhos usam materiais orgânicos. Quem estiver com crianças pode propor um jogo de observação: identificar cores, texturas e sons presentes na estação e nas obras. Essa prática ajuda a construir repertório visual desde cedo.
No campo da história, a referência à antiga Estrada de Ferro de Baturité sugere leituras sobre migração climática no Nordeste e sobre a relação entre obras públicas, socorro a populações vulneráveis e desenvolvimento urbano. A exposição abre caminho para atividades educativas em escolas e coletivos de bairro, como oficinas de fotografia móvel no trajeto casa-trabalho ou cartografias afetivas dos lugares vistos da janela do metrô.
Transformar o percurso em conhecimento aplicado é uma forma de fortalecer direitos à cidade, memória e mobilidade.


