Entre safras e geadas, um produtor saiu do básico para redefinir padrões. Um percurso silencioso que mexe com o seu paladar.
A trajetória de Antônio Francisquini Baptista mistura coragem, paciência e cálculo. Aos 90 anos, ele segue ativo, acumula novas marcas e puxa o mercado de cafés especiais para níveis mais exigentes.
Dos sete anos ao comando de um império
Antônio começou a trabalhar aos sete anos, sob um pé de café, em uma pequena área da família. Nasceu em São José do Rio Preto (SP), morou no Paraná, e hoje vive em Monte Carmelo (MG), onde mantém rotina próxima da comunidade. Antes de virar agricultor, foi cobrador e motorista de ônibus. O passo seguinte veio com poucos pés de café no Paraná e, depois, com a expansão contínua das áreas produtivas.
Primeiros passos no campo e no volante
O caixa curto e o salário do volante moldaram o senso de oportunidade. Ele aprendeu a ler preço, a esperar o momento certo e a investir quando quase ninguém queria arriscar. Esse olhar viraria uma marca do negócio décadas depois.
A virada com coragem e negociação
Um episódio no Rio de Janeiro condensou a guinada: ao oferecer comprar uma fazenda que pertencia à esposa de um advogado, ouviu descrédito. Voltou, insistiu, explicou seu plano e fechou a compra. O movimento traduziu o método que o acompanharia: negociar com serenidade e agir quando a janela aparecia.
Marcas históricas aos 90
O ano do nonagésimo aniversário trouxe dois marcos de peso. Na Fazenda Novo Horizonte, em Tiros (MG), nasceu o Café Presidencial, um lote fermentado com 90 pontos em escala de qualidade. O lançamento ocorreu na sede da Expocacer, com homenagem ao produtor e degustação do microlote comemorativo.
Na sequência, a Ipanema Agrícola S/A — controlada pela holding IOB — conquistou o 1º lugar na Categoria Experimental (Fermentado) do Cup of Excellence Brazil 2025 com um café da Fazenda Rio Verde, em Conceição do Rio Verde (MG). A premiação, realizada em 1º de novembro, reforçou a consolidação do grupo entre os nomes mais relevantes do país em cafés especiais.
Dois números que definem a temporada: 90 pontos no Café Presidencial e 1º lugar no Cup of Excellence Brazil 2025.
Estratégia que cresce quando o mercado sofre
Enquanto muitos vendem no susto, Antônio fez carreira estocando e aguardando a hora adequada para comercializar. O grupo escolheu expandir na contramão, investindo e ganhando fôlego em anos de choque climático, quando os preços internacionalmente tendem a subir.
- Geadas históricas como as de 1963, 1967, 1972, 1975, 1986, 1994, 2001 e 2002 pressionaram a oferta.
- Com estoques próprios, a venda ocorre no momento mais favorável, reduzindo risco de caixa.
- A operação prioriza colher, padronizar, armazenar e só então negociar, sem depender de mercado futuro.
Estocar para negociar com calma, e não o contrário: a disciplina que sustenta preço e qualidade.
AFB&IOB Holdings: onde o café nasce e ganha o mundo
A AFB&IOB Holdings pertence a Antônio e Idalina Baptista, com polos de produção em quatro estados e quatorze municípios: Bahia, Minas Gerais (Cerrado Mineiro e Sul de Minas), São Paulo e Paraná. Antes mesmo da aquisição da Ipanema Coffees, o grupo reunia mais de 15 mil hectares de café e produção anual acima de 500 mil sacas de 60 kg.
Em dezembro de 2023, a IOB adquiriu 63% da Ipanema Coffees, uma das produtoras e exportadoras de cafés especiais mais reconhecidas do país. A integração fortaleceu a presença global e destravou novos projetos de qualidade, fermentação e rastreabilidade. A presidência do grupo está com a filha, Marinês Batista, à frente de uma equipe técnica robusta.
Escala, qualidade e logística
Para dar conta da extensão das áreas e da agenda de diretores, a operação ganhou um helicóptero, recurso que encurta deslocamentos entre fazendas e armazéns. A logística acompanha a estratégia: padronização de processos, controle de fermentação e triagem rigorosa para microlotes e blends de exportação.
Mais de 15 mil hectares, mais de 500 mil sacas por ano, quatro estados e quatorze municípios integrados na mesma visão.
Onde estão os cafés que puxaram os prêmios
| Região | Fazenda/município | Destaque |
|---|---|---|
| Minas Gerais – Cerrado Mineiro | Fazenda Novo Horizonte, Tiros | Café Presidencial fermentado, 90 pontos |
| Minas Gerais – Sul de Minas | Fazenda Rio Verde, Conceição do Rio Verde | Vencedor da Categoria Experimental (Fermentado), Cup of Excellence Brazil 2025 |
| Bahia | Luís Eduardo Magalhães | Unidades produtivas com foco em volume e qualidade |
| Paraná e São Paulo | Diversos municípios | Origem da história e base de expansão |
Humildade como método de gestão
Mesmo com um patrimônio amplo, Antônio preserva hábitos simples e postura discreta. No evento da Expocacer, fez questão de cumprimentar cada funcionário, das recepcionistas aos organizadores. O gesto diz muito sobre sua liderança: atenção aos detalhes, disciplina e respeito às pessoas que sustentam o resultado.
O produtor evita operações no mercado futuro. Prefere colher, classificar e vender dentro do fluxo que a própria fazenda controla. Esse ritmo tem custo de capital, mas reduz o estresse do caixa e favorece decisões de preço mais racionais.
O que isso muda para você, que compra café
Quando um grupo com essa escala ganha prêmios com lotes fermentados e atinge 90 pontos, o varejo se mexe. Cafeterias e torrefações ampliam ofertas de microlotes, impulsionam transparência e elevam o padrão sensorial. Consumidores passam a ver mais informações de origem, processo e pontuação no rótulo.
- 90 pontos no padrão SCA indicam equilíbrio, limpeza de xícara e complexidade acima da média.
- Lotes fermentados tendem a trazer camadas aromáticas mais intensas, que variam conforme leveduras, tempo e temperatura.
- Rastreabilidade permite comparar safras e perfis sensoriais por fazenda e talhão.
Como ler o rótulo sem erro
Olhe origem (município e região), processo (natural, lavado, fermentado), variedade e pontuação. Se o café citar Fazenda Novo Horizonte ou Fazenda Rio Verde, há chances de encontrar perfis que lembram os prêmios. Guarde que a qualidade não depende só da pontuação: torra, água e preparo em casa fazem o restante.
Para quem trabalha com café, três lições da estratégia
- Estoque como alavanca: se o capital permitir, guarde parte da safra e venda em janelas de preço.
- Processo deliberado: trate a fermentação como tecnologia, com controle e repetibilidade, e não como acaso.
- Território diverso: cultivar em regiões diferentes dilui risco climático e melhora a curva de oferta.
Informações úteis para ampliar o tema
O que significa um café de 90 pontos
A escala SCA vai de 0 a 100 e classifica cafés especiais acima de 80. A partir de 90, entram atributos raros, como doçura persistente, acidez refinada e notas definidas com grande limpeza de xícara. Essa faixa costuma aparecer em microlotes com manejo cuidadoso e pós-colheita preciso.
Risco e vantagem de estocar
Manter café parado custa: capital imobilizado, armazenagem e perdas de umidade. Em contrapartida, dá poder de negociação, suaviza caixa entre safras e protege o produtor de quedas abruptas. A decisão pede planejamento de fluxo, hedge natural via calendário de venda e métricas de qualidade para preservar pontuação ao longo do tempo.
Fermentação controlada na prática
Fermentação não é sinônimo de sabor exagerado. Quando bem conduzida, destaca doçura e complexidade sem mascarar a origem. Chaves do processo incluem seleção de cerejas maduras, ambiente limpo, controle de temperatura e tempo, além de secagem que respeite o limite do grão.


