Melodias que embalaram encontros, janelas e ruas voltam à pauta. Refrões antigos convidam você a ouvir de novo.
O cantor e compositor Lô Borges morreu na noite de domingo (2/11), aos 73 anos, em Belo Horizonte. A família confirmou a informação. Ele estava internado desde 17 de outubro no Hospital Unimed, após um quadro de intoxicação medicamentosa. O mineiro deixa um filho, Luca Borges, de 27 anos, e um catálogo que ajudou a redesenhar a canção brasileira.
Vida e família
Nascido Salomão Borges Filho em 10 de janeiro de 1952, em Belo Horizonte, Lô cresceu cercado por música. Era o sexto de 11 irmãos do casal Maricote e Salomão Borges. Em casa, dividiu afeto, violões e influências com Márcio, Marilton e Telo Borges, todos músicos. Desde cedo, lapidou uma escrita melódica de linhas suaves, com letras que ligavam cotidiano, paisagem e afeto.
Lô Borges transformou cenas simples em canções de delicadeza rara, reconhecidas por gerações dentro e fora de Minas.
O Clube da Esquina e a revolução sonora
Aos 20 anos, Lô assinou, ao lado de Milton Nascimento e parceiros, o álbum duplo Clube da Esquina (1972). O disco misturou MPB, rock, jazz e regionalismos mineiros, criando um mapa sonoro novo. A ousadia colocou as ruas de Santa Tereza em rota com o mundo. O trabalho permanece entre os mais celebrados da música brasileira.
O “disco do tênis” e um solo de identidade
No mesmo 1972, Lô estreou em carreira solo com o LP Lô Borges, conhecido como “disco do tênis” por causa da capa de Cafi. A imagem singela virou símbolo de independência criativa. As faixas, de harmonia inventiva, consolidaram uma assinatura que unia lirismo e experimentação sem estridência.
Canções que moldaram gerações
Alguns títulos viraram senha afetiva no país. “Um girassol da cor do seu cabelo”, “O trem azul”, “Paisagem da janela” e “Tudo que você podia ser” atravessaram décadas. Artistas como Elis Regina, Tom Jobim, Caetano Veloso, Nando Reis, Samuel Rosa e Milton Nascimento regravaram Lô, sinal de alcance e permanência.
- Um girassol da cor do seu cabelo — delicadeza melódica e imagem poética inesquecível.
- O trem azul — pulsação harmônica que convida ao movimento e à memória.
- Paisagem da janela — síntese de Minas: interior, rua, brisa e reflexão.
- Tudo que você podia ser — juventude, escolha e encruzilhadas, com guitarras e voo coral.
As canções de Lô criaram pertença. Cada faixa parecia falar diretamente ao ouvinte, onde quer que ele estivesse.
Produtividade recente e prêmios
Mesmo após cinco décadas de estrada, Lô manteve ritmo pouco comum. Desde 2019, lançou um álbum autoral por ano. Em 2023, concorreu ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa, com “Não me espere na estação”. Em agosto deste ano, chegou “Céu de giz”, feito em parceria com Zeca Baleiro, com arranjos de textura leve e letras de observação fina.
A cena de BH e a despedida
Em junho, Lô surpreendeu ao tocar de graça, sem aviso, na esquina das ruas Paraisópolis e Divinópolis, em Santa Tereza, o cruzamento que batizou o movimento. O gesto reforçou a ligação com o bairro e com a cidade. No Spotify, reunia cerca de 500 mil ouvintes mensais, sinal de audiência ativa e renovada. A morte encerra uma trajetória de palco e estúdio, mas não interrompe o fluxo de escuta que se intensifica nos dias de perda.
Linha do tempo em marcos
| Ano | Marco |
|---|---|
| 1972 | Lançamento de Clube da Esquina (com Milton Nascimento) |
| 1972 | Estreia solo com o “disco do tênis” |
| 2019–2024 | Série de álbuns autorais anuais |
| 2023 | Indicação ao Grammy Latino por “Não me espere na estação” |
| 2024 | “Céu de giz”, em parceria com Zeca Baleiro |
| 2024 | Show surpresa na esquina de Santa Tereza (BH) |
Como a notícia mexe com você
Para quem viveu a juventude nos anos 1970, as canções acionam lembranças íntimas. Para quem chegou depois, elas abrem caminhos de escuta e afeto. A morte de Lô reorganiza o repertório afetivo de milhões de brasileiros. Fãs revisitavam discos, letras e vídeos na noite da confirmação. A cidade de Belo Horizonte, berço dessa história, voltava a ecoar os refrões com vizinhos cantando pelas janelas. Esse ciclo de retorno mostra que a obra continua ativa.
Guia rápido para revisitar a obra
Por onde começar
- Ouça na sequência: Clube da Esquina (1972) e o “disco do tênis” (1972), para captar o salto criativo.
- Emende com uma coletânea de faixas citadas por artistas mais jovens. O contraste evidencia a influência.
- Feche com “Céu de giz”, que mostra o compositor em plena forma autoral recente.
O que prestar atenção
- Harmonia: modulações sutis e pontes inesperadas que evitam o lugar-comum.
- Letra: imagens de paisagem como motor de sentimento, sem grandiloquência.
- Voz: timbre contido, que entrega emoção pelo desenho melódico.
Termo a entender: intoxicação medicamentosa
O hospital registrou internação por intoxicação medicamentosa. O termo abrange reações tóxicas provocadas por doses altas, interações entre fármacos ou uso incorreto. Em situações assim, os serviços de saúde monitoram sinais vitais e ajustam terapias. Diante de qualquer suspeita, a orientação é buscar atendimento imediato para avaliação clínica.
O legado que segue adiante
A geração que veio depois aprendeu com Lô a escrever sem pressa, a valorizar silêncios e a cultivar melodias que caminham. Bandas de pop alternativo e cantautores de vários estados admitem essa herança na escolha de timbres, nos arranjos e no uso de guitarras limpas com vozes em coro. Professores de música usam “O trem azul” e “Paisagem da janela” em aulas de harmonia como portas de entrada para escalas modais e condução de vozes.
Para quem deseja manter a memória viva, vale propor audições coletivas em escolas, centros culturais e praças. Um esquema simples ajuda: três faixas clássicas, duas do período recente e uma gravação ao vivo. A comparação mostra permanências e mudanças. O público percebe que aquela esquina de Belo Horizonte virou uma forma de escutar o Brasil — com delicadeza, risco calculado e coragem de misturar referências.


