Numa semana de tensão e versões conflitantes, famílias aguardam explicações no Rio enquanto a pressão por transparência cresce.
Em meio ao impacto da megaoperação nas comunidades da Penha e do Alemão, o ministro Alexandre de Moraes determinou que o governo fluminense preserve integralmente as provas e garanta acesso à Defensoria Pública. A medida abre caminho para conferência independente dos laudos e reforça critérios já fixados pelo Supremo.
Decisão do supremo mira transparência
A ordem de Moraes, proferida no domingo (2), obriga o Estado do Rio a manter intactos todos os elementos materiais ligados à operação, incluindo laudos, fotografias, croquis e registros da necropsia, com suas cadeias de custódia intactas. O objetivo é permitir o controle do Ministério Público e a realização de contraprova pela Defensoria, após relatos de impedimento à presença de defensores durante os exames nos corpos.
A preservação da cena do crime e das perícias, com documentação completa e acesso às partes, é condição para apurar responsabilidades e evitar nulidades.
Relator da ADPF das Favelas, Moraes atendeu a um pedido da Defensoria Pública da União feito na quinta-feira (30). A manifestação surgiu após a ação policial de terça-feira (28), que resultou em 121 mortos, entre eles quatro policiais, durante o cumprimento de mandados na zona norte do Rio.
O que já está definido pela adpf das favelas
A decisão dialoga com parâmetros que o STF já havia estabelecido para reduzir letalidade e ampliar a fiscalização social em operações policiais. Entre as diretrizes, destacam-se:
- Preservação de vestígios e vedação à remoção indevida de corpos sob pretexto de socorro;
- Registro fotográfico e detalhado de laudos de local de crime e de necropsias;
- Armazenamento eletrônico de fotos, esquemas e croquis para revisão independente;
- Uso de câmeras em fardas e viaturas e presença de ambulâncias em ações de alto risco;
- Restrição de operações próximas a escolas e hospitais;
- Divulgação de dados de letalidade e de resultados de operações.
Sem documentação completa e cadeia de custódia íntegra, perde-se a possibilidade de uma perícia reconstituída, confiável e verificável por terceiros.
Audiência com sociedade civil
Moraes também convocou audiência para quarta-feira (5), no Supremo, com órgãos oficiais, entidades de direitos humanos e pesquisadores para discutir a operação. Entre os convidados estão o Conselho Nacional de Direitos Humanos, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj, o Instituto Anjos da Liberdade, a Conectas Direitos Humanos e o Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ. O encontro deve tratar de protocolos, monitoramento e garantias de acesso a informações periciais.
Reação das autoridades
A Polícia Civil afirmou que atua com rigor técnico e anexará todas as informações relevantes aos inquéritos, sob acompanhamento do Ministério Público. Em paralelo, o governador Cláudio Castro (PL) vinha criticando a ADPF das Favelas, atribuindo ao processo entraves às ações contra o crime. A reação provocou resposta do ministro Gilmar Mendes, que relembrou: a Corte não proibiu operações, apenas fixou parâmetros de planejamento, proporcionalidade e transparência.
Operações continuam possíveis, mas com regras claras: documentação, controle externo, proteção de civis e de agentes públicos.
Por que a cadeia de custódia importa
Cadeia de custódia é o conjunto de procedimentos que garante que a prova coletada é a mesma que chega ao processo, sem manipulações indevidas. Em investigações de mortes violentas, isso inclui fotografar o local, registrar posição dos corpos, preservar cápsulas, trajetórias de tiro e lesões, além de documentar o transporte e o armazenamento de materiais.
Quando partes externas, como a Defensoria, podem acessar esses dados e produzir contraprova, aumenta-se a robustez da investigação. Se uma etapa falha, o risco de anular peças probatórias cresce, comprometendo a responsabilização de autores e, ao mesmo tempo, a proteção de inocentes.
Linha do tempo da operação e das medidas
| Data | Fato |
|---|---|
| 28/11 | Operação na Penha e no Alemão para cumprir mandados; 121 mortos, sendo 4 policiais. |
| 30/11 | DPU pede preservação integral de perícias e acesso para contraprova. |
| 02/12 | Moraes determina a preservação de todos os elementos materiais e cadeias de custódia. |
| 05/12 | Audiência no STF com órgãos públicos e entidades da sociedade civil. |
O que muda para você, morador e contribuinte
Para quem vive em áreas afetadas por operações, a determinação tende a gerar registros mais completos e a reduzir disputas sobre o que aconteceu. Com câmeras, ambulâncias e restrições de horário e local, a chance de danos colaterais diminui. Para famílias, Defensorias e advogados, o acesso a fotos de necropsia, croquis e laudos facilita a verificação independente dos fatos.
- Se ocorreu operação perto de sua casa, anote horários, identifique viaturas e guarde registros audiovisuais;
- Busque a Defensoria Pública para orientações sobre acesso a informações de inquérito e laudos;
- Em caso de feridos, acione o Samu e registre protocolos de atendimento para assegurar rastreabilidade.
Debate sobre letalidade e eficácia
A determinação reabre a discussão sobre como medir sucesso de operações. Somar armas apreendidas e presos não basta. A análise dos laudos ajuda a entender se houve confronto proporcional, se equipes seguiram protocolos e se as mortes poderiam ter sido evitadas. Essa verificação alimenta políticas de prevenção e treinamento, reduzindo riscos para moradores e agentes.
Pontos de atenção para as próximas semanas
A audiência no STF deve definir prazos para disponibilização de documentos e padronização de registros periciais. Órgãos de controle avaliarão lacunas em relatórios e a consistência da cadeia de custódia. A sociedade civil solicitará transparência ativa de dados de letalidade e de uso de força, por bairro e por operação, permitindo acompanhamento público.
No plano prático, forças de segurança precisarão reforçar a documentação digital e o armazenamento seguro das evidências, com trilhas de auditoria. Hospitais e IMLs devem padronizar fotografias e esquemas de lesão. Promotorias e Defensorias, por sua vez, terão condições de checar divergências entre laudos, depoimentos e imagens de câmeras corporais.
Entenda o impacto jurídico
Quando a prova é preservada e auditável, processos criminais ganham previsibilidade. Acusações e defesas fundamentam pedidos com base técnica, reduzindo nulidades e revisões extensas. Para o cidadão, isso significa investigações mais rápidas e sentenças menos sujeitas a anulações. Para o Estado, diminui-se o risco de condenações em cortes internacionais por violações de direitos humanos.


