Remédios fazem parte da rotina de milhões de brasileiros, mas pequenas escolhas no dia a dia podem transformar tratamento em risco.
O caso envolvendo Lô Borges reacendeu dúvidas sobre intoxicação medicamentosa e abriu espaço para um debate urgente: como reconhecer, evitar e agir diante de reações que podem evoluir rápido. A seguir, um guia direto para ajudar você e sua família a navegar com segurança pelo uso de medicamentos.
Quem foi Lô Borges e o que se sabe do caso
O cantor e compositor Lô Borges, 73 anos, morreu em Belo Horizonte após uma internação iniciada em 17 de outubro, no Hospital Unimed Contorno, por um quadro de intoxicação medicamentosa. Ele passou pela UTI e precisou de suporte de ventilação mecânica. Boletins chegaram a apontar melhora respiratória, mas o óbito foi confirmado no começo da semana seguinte.
A notícia mobilizou fãs e profissionais de saúde. O episódio trouxe à tona um tema sensível: a fronteira entre o uso terapêutico e o risco quando doses, intervalos e combinações fogem do recomendado.
O que é intoxicação medicamentosa
Intoxicação medicamentosa acontece quando o organismo recebe uma quantidade de fármaco acima do que consegue processar com segurança, por dose única exagerada, acúmulo ao longo de dias ou interações entre diferentes princípios ativos. Pode ocorrer com receita ou com remédios de venda livre.
Como a dose e as interações saem do controle
- Excesso de dose em curto intervalo, por confusão entre miligramas e quantidade de comprimidos.
- Associação de fármacos que agem na mesma via, somando efeitos sedativos, cardíacos ou sobre o fígado.
- Uso prolongado sem reavaliação, levando a acúmulo em idosos e pessoas com doença renal ou hepática.
- Combinação com álcool, fitoterápicos ou suplementos, alterando metabolismo e potência do remédio.
Anti-inflamatórios podem sobrecarregar os rins; analgésicos em excesso castigam o fígado; sedativos e alguns antidepressivos deprimem o sistema nervoso e a respiração.
Sintomas que pedem reação rápida
Os sinais variam conforme a substância, a dose e o tempo de uso. O corpo costuma dar alertas claros.
- Náusea, vômitos repetidos, dor abdominal ou diarreia após tomar remédios.
- Sonolência fora do habitual, tontura, fala arrastada ou desorientação.
- Batimento irregular, palpitações, pressão muito baixa ou desmaio.
- Dificuldade para respirar, lábios arroxeados, respiração lenta ou pausas respiratórias.
- Convulsões, agitação intensa, alucinações ou comportamento incomum.
- Urina escura, pele e olhos amarelados, dor no flanco — possíveis sinais de sobrecarga em fígado e rins.
Diante de falta de ar, confusão importante, convulsão ou vômitos persistentes, acione o SAMU pelo 192. Não provoque vômito.
Como agir com segurança
Em suspeita de intoxicação, trate como emergência. Medidas rápidas salvam vidas.
- Ligue 192 (SAMU) ou 0800 722 6001 (Disque-Intoxicação/CIATox) e siga as orientações.
- Leve a embalagem, a bula e anote horários e quantidades ingeridas.
- Não ofereça leite, bebidas alcoólicas, carvão ativado ou outros “antídotos” por conta própria.
- Não administre um segundo remédio para “anular” o primeiro.
- Se a pessoa adormecer, mantenha-a de lado para evitar aspiração em caso de vômito.
- Em crianças, verifique se houve ingestão acidental de xarope, gotas ou comprimidos deixados ao alcance.
Quem corre mais risco
- Idosos, por polifarmácia e metabolismo mais lento.
- Crianças, pela sensibilidade a doses mínimas e embalagens atrativas.
- Pessoas com doenças no fígado, rins, coração ou pulmões.
- Gestantes, pela alteração da distribuição e eliminação de fármacos.
- Quem usa álcool regularmente ou associa remédios sem orientação.
Prevenção no dia a dia
Pequenos hábitos reduzem muito o risco em casa e no trabalho.
- Mantenha um único profissional de referência para revisar prescrições e interações.
- Use organizador semanal, alarme no celular e lista de horários à vista.
- Guarde remédios trancados e longe do alcance de crianças.
- Leia a bula para checar dose, intervalo e contraindicações.
- Evite álcool com medicamentos que causam sonolência ou agem no fígado.
- Não compartilhe receitas, nem repita antibiótico por conta própria.
- Em viagens, leve a prescrição e mantenha os fármacos nas embalagens originais.
Intoxicação aguda x crônica
No quadro agudo, a ingestão excessiva ocorre em curto prazo e os sintomas surgem rápido. Na forma crônica, o problema resulta de doses repetidas acima do indicado ao longo de dias ou semanas, com sinais que aparecem de maneira mais sutil, como cansaço, alterações de exames e tonturas frequentes.
Medicamentos comuns e riscos quando usados de forma inadequada
| Classe | Exemplos frequentes | Risco principal | Sinais de alerta |
|---|---|---|---|
| Anti-inflamatórios não esteroides | ibuprofeno, diclofenaco, naproxeno | lesão renal, sangramento gástrico | dor no estômago, urina reduzida, fezes escuras |
| Analgésicos e antitérmicos | paracetamol, dipirona | hepatotoxicidade, reações cutâneas | náusea, icterícia, coceira intensa |
| Sedativos e ansiolíticos | benzodiazepínicos | rebaixamento de consciência e respiração | sonolência extrema, fala arrastada, apneias |
| Antidepressivos | tricíclicos, ISRS | arritmias, agitação ou confusão | palpitações, tremores, mudanças bruscas de humor |
| Antialérgicos | anti-histamínicos de 1ª geração | sedação intensa, retenção urinária | sonolência, boca seca, dificuldade para urinar |
| Anti-hipertensivos | diversas classes | queda acentuada da pressão | tontura, desmaio, visão turva |
| Antitussígenos | dextrometorfano | confusão, alucinações em altas doses | agitação, alterações de percepção |
Por que o caso mobiliza o país
O Brasil figura entre os maiores consumidores de medicamentos no mundo. Automedicação, acesso fácil a anti-inflamatórios e analgésicos e a cultura de “resolver rápido” criam um terreno fértil para efeitos adversos. Situações como a de Lô Borges lembram que monitorar tratamentos, anotar doses e perguntar antes de misturar remédios salva vidas.
O que colocar no seu plano familiar de segurança
- Lista atualizada de todos os remédios em uso, com dose e horários.
- Contato do médico e do farmacêutico de confiança.
- Números de emergência à mão: 192 (SAMU) e 0800 722 6001 (Disque-Intoxicação).
- Revisão trimestral do armário de medicamentos, com descarte correto dos vencidos.
- Rotina de dupla checagem: uma pessoa confere a dose do outro antes de ingerir, quando possível.
Uma prática simples ajuda quem toma várias medicações: simule no papel os intervalos do dia e distribua os horários em blocos fixos, evitando sobreposição. Em consultas, leve a lista completa — incluindo vitaminas e fitoterápicos — para avaliar interações e necessidade de ajustes.
Se você convive com idosos ou crianças, redobre o cuidado com organização, tampas com travas e comunicação clara sobre horários. Dúvidas sobre doses, intervalos e interações devem ser tratadas com profissionais de saúde. Guardar embalagens e anotações facilita decisões rápidas em urgências e pode fazer diferença no desfecho clínico.


