Você toma remédio todo dia? 9º seminário da Fiocruz revela saídas sem pílulas para ansiedade

Você toma remédio todo dia? 9º seminário da Fiocruz revela saídas sem pílulas para ansiedade

Você, sua família e seus amigos convivem com diagnósticos. Novas vozes propõem caminhos de cuidado além da pílula diária.

Reunindo pesquisadores, profissionais e usuários de serviços, o 9º Seminário Internacional na ENSP/Fiocruz reacendeu o debate sobre desmedicalização da saúde mental, com propostas que vão das Casas Soteria à pesquisa clínica com psicodélicos, passando por decisão compartilhada, redução de danos e prescrição responsável.

Um seminário que mexe com rotinas de tratamento

Realizado na Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, o encontro “A Epidemia das Drogas Psiquiátricas” partiu de uma constatação incômoda: o excesso de psicotrópicos virou regra. Em vez de banir remédios, os painelistas defenderam recolocar a medicação como uma ferramenta entre várias, e não como a primeira resposta ao sofrimento.

Desmedicalizar significa ampliar o repertório de cuidado, reduzir danos e devolver protagonismo a quem busca ajuda.

O jornalista Robert Whitaker apresentou experiências internacionais que diminuem drasticamente prescrições sem piorar desfechos clínicos. Ao longo do dia, usuários de serviços relataram vivências com psicofármacos e defenderam autonomia. Especialistas discutiram iatrogenia, infância medicalizada e o retorno criterioso de psicodélicos ao arsenal terapêutico. A programação se encerrou com arte e território: poesia e cinema como parte do cuidado em Manguinhos.

Casas Soteria e modelos que tiram o foco da medicação

Inspirado em experiências europeias iniciadas por Loren Mosher nos anos 1970, o modelo Soteria oferece acolhimento intensivo em residência, ambiente doméstico, equipe pequena e vínculo próximo. A proposta prioriza convivência, suporte 24 horas e diálogo, com mínima intervenção medicamentosa. Países que testaram o formato relatam menos hospitalizações e maior satisfação dos participantes.

  • Acolhimento em casa ou moradia assistida, com regras simples e coparticipação da família.
  • Equipes que escutam antes de medicar e constroem rotinas personalizadas.
  • Crises manejadas com linguagem não violenta, técnicas de respiração e espaços de calma.
  • Planos de vida que incluem estudo, trabalho, arte e rede comunitária.

Whitaker também citou iniciativas baseadas em pares, como grupos Hearing Voices, e serviços comunitários que integram psicoterapia breve, apoio social e intervenções ambientais, como reorganização da rotina, sono e alimentação.

Decisão compartilhada: o paciente no centro

Relatos de usuários lembraram uma obviedade ignorada: quem toma o remédio precisa participar da escolha. Decisão compartilhada não é formalidade; é método. Define metas, discute riscos e combina monitoramento de efeitos adversos, incluindo tempo e estratégia de retirada quando necessário.

  • Leve perguntas para a consulta: qual benefício esperado, em quanto tempo, com qual dose mínima eficaz.
  • Negocie indicadores de progresso: sono, energia, interação social, funcionalidade no trabalho.
  • Combine um plano B: psicoterapia, grupo de apoio, atividade física, manejo de estresse.
  • Registre efeitos indesejados e apresente em revisões periódicas.

Prescrever com responsabilidade e evitar iatrogenia

O psiquiatra Holmes Martins alertou para iatrogenia: quando o tratamento provoca novos adoecimentos. Polifarmácia, escaladas rápidas de dose e retiradas abruptas elevam esse risco. O caminho sugerido envolve começar baixo, ir devagar, reavaliar metas e, quando a retirada fizer sentido, fazê-la de forma gradual e acompanhada.

Sinais de alerta Quando ajustar o plano Perguntas para levar ao serviço
Sonolência incapacitante, ganho de peso rápido, apatia persistente Após 2 a 4 semanas sem ganho clínico mensurável Podemos reduzir dose? Existe alternativa não farmacológica para minha meta?
Acatisia, inquietação intensa, ideias de autoagressão Imediatamente; priorizar segurança e reavaliar risco/benefício Qual é o menor tempo necessário de uso? Como será a retirada segura?
Interações por múltiplos remédios ou álcool Revisão de toda a prescrição e hábitos de vida Quais interações devo evitar? O que monitorar em casa?

Infância medicalizada: um alerta

A psicóloga Luciana Jaramillo chamou atenção para a pressa em patologizar comportamentos infantis. A recomendação é fortalecer avaliação contextual, apoio à família e intervenções escolares. Medicamento vira último recurso, por tempo definido e com metas claras de funcionalidade, respeitando a singularidade da criança.

A volta dos psicodélicos: ciência, experiência e cuidado

O epidemiologista Paulo Telles destacou pesquisas recentes com psilocibina, LSD, DMT, mescalina, MDMA, cetamina e cannabis em depressão resistente, TEPT, ansiedade e dor. Os estudos combinam sessões estruturadas, preparação psicoterapêutica, protocolos de segurança e acompanhamento. A mensagem: promissor não significa trivial.

Psicodélicos não são atalho. São ferramentas que exigem contexto clínico, preparação e integração do que emerge.

  • Set e setting: ambiente seguro, equipe treinada e consentimento informado.
  • Triagem rigorosa: histórico pessoal, risco cardiovascular, comorbidades e uso de outras substâncias.
  • Integração: sessões pós-experiência para transformar insights em mudanças de rotina.
  • Riscos: ansiedade aguda, interação medicamentosa, uso inadequado fora de protocolos.

Cultura e território como cuidado

Poesia, cinema e memória coletiva entraram em cena com a apresentação de Celeste Estrela e a exibição do documentário “Coisa de Favela”, desenvolvido no âmbito de pesquisa do Laps/Fiocruz em Manguinhos. Cultura e pertencimento ajudam a reduzir isolamento, restauram autoestima e tecem rede de proteção, algo que serviços como CAPS e projetos comunitários podem potencializar.

Como levar a desmedicalização para o seu dia a dia

Desmedicalizar não significa abandonar remédios por conta própria. Significa ampliar estratégias e pactuar cada passo com a equipe. Algumas medidas mudam desfechos em poucas semanas e reduzem necessidade de doses altas:

  • Higiene do sono: horários regulares, luz natural pela manhã, telas fora do quarto.
  • Atividade física de intensidade moderada 150 minutos/semana, adaptada ao seu nível.
  • Suporte social: grupos de pares, família, vizinhança, práticas culturais e espirituais escolhidas por você.
  • Psicoterapia baseada em evidências: TCC, terapia interpessoal, terapia familiar, entre outras.
  • Nutrição simples: padrão alimentar com frutas, verduras, leguminosas e redução de ultraprocessados.
  • Diário de humor e gatilhos: mapeie padrões e compartilhe com a equipe.

Retirada segura de psicofármacos: o que negociar

Se a retirada fizer sentido, combine metas e ritmo. Reduções de 10% a 25% da dose por etapa costumam ser melhor toleradas, com pausas para estabilizar. Evite suspensões bruscas. Acompanhe sintomas de rebote e ajuste prazos sem pressa. Nunca faça mudanças sem supervisão clínica.

Seus direitos no SUS e onde buscar apoio

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) inclui Unidades Básicas de Saúde, CAPS, serviços de urgência, consultórios na rua e leitos de saúde mental em hospitais gerais. Você tem direito a plano terapêutico singular, decisão compartilhada, segunda opinião e matrícula em grupo terapêutico quando indicado. Peça registro por escrito das condutas e dos efeitos monitorados.

Para famílias com crianças e adolescentes, procure avaliação multiprofissional, converse com a escola e avalie intervenções pedagógicas antes de considerar medicação. Para adultos em uso prolongado de psicofármacos, solicite revisão de prescrição, rastreio de interações e plano de redução de danos.

Remédio pode ajudar, mas não substitui vínculo, projeto de vida e rede de suporte. Cuidado se faz com gente, tempo e território.

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