No Litoral Norte, um navio diferente chamou atenção: velas imensas, quase nenhum ruído no cais e olhares curiosos dos estivadores.
O embarque mobiliza operadores, caminhoneiros e exportadores. Uma travessia longa começa, empurrada pelo vento, com destino à Europa e promessas de menor pegada de carbono.
Vento no casco, olho no preço
O porto de São Sebastião voltou ao mapa do café e do cacau com a chegada do Anemos, cargueiro de 81 metros impulsionado por velas modernas. A embarcação vai zarpar com cerca de 600 toneladas de café verde e 12 toneladas de cacau, reunindo cargas de nove exportadores de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Pará. A primeira parada será Fécamp, na França, onde o café será torrado antes de seguir para diferentes mercados europeus.
600 toneladas de café e 12 toneladas de cacau deixam São Sebastião rumo à França; parada inicial em Fécamp.
Se o tempo colaborar, a partida ocorre neste sábado (1º), e a viagem deve durar cerca de três semanas. O planejamento depende das janelas de vento, etapa por etapa, como nos tempos de navegação clássica — mas com tecnologia atual.
Por que isso interessa a você
Logística influencia o valor final da xícara. Rotas que usam menos combustível tendem a reduzir custos operacionais sensíveis ao barril de petróleo. Em paralelo, marcas europeias pagam prêmios por cadeias de baixo carbono, o que pode sustentar preços melhores ao produtor e, em alguns casos, encarecer rótulos “verdes” no varejo. O equilíbrio entre economia de combustível, prêmios de sustentabilidade e variação cambial chegará ao consumidor.
Transporte a vela corta o diesel marítimo, melhora a imagem de sustentabilidade e pode mexer no preço do espresso.
O retorno do café ao cais de São Sebastião
As operações marcam uma retomada histórica. O porto passou décadas sem embarcar café e voltou a movimentá-lo em 2024, quando 8 mil toneladas saíram rumo à Alemanha. Agora, com o Anemos em sua segunda escala — a primeira foi em dezembro de 2024 — o terminal reforça um plano de longo prazo para cargas de valor agregado, apoiado em um selo verde que reconhece práticas ambientais do cais ao armazém.
Como a operação foi montada
- Consolidação da carga de nove exportadores em armazéns próximos ao cais.
- Inspeções de qualidade e segregação por origem: SP, MG, ES e PA.
- Planejamento de estiva para otimizar peso e estabilidade sob vela.
- Janela de saída condicionada à meteorologia e às correntes da costa.
O navio em números e no mar
Construído no Vietnã para a francesa TOWT (TransOceanic Wind Transport), o Anemos tem 81 metros de comprimento, 12 metros de boca e um mastro que alcança 65 metros de altura. Ele navega usando o vento como propulsão principal e aciona motor auxiliar apenas em calmarias severas, algo reservado a trechos críticos. A energia elétrica a bordo também se apoia no vento, por meio de geradores eólicos dedicados.
Navegação com velas como tração principal e motor auxiliar só em calmarias severas: menos emissão, mais silêncio no cais.
O que vai a bordo
- 600 t de café verde para torrefação na Europa.
- 12 t de cacau destinadas à indústria de chocolates.
- Volumes loteados por exportador, com rastreabilidade por origem.
Impacto ambiental e pragmatismo
O transporte a vela reduz queima de combustível fóssil no trecho marítimo, justamente onde grandes navios respondem por parcela relevante das emissões globais. No curto prazo, isso significa menos CO₂ por tonelada embarcada. No médio prazo, atrai contratos que exigem comprovação de redução de emissões e logística auditável. Essa combinação dá ao porto e aos exportadores uma vantagem competitiva em mercados mais exigentes.
| Parâmetro | Transporte a vela | Navio convencional |
|---|---|---|
| Combustível | Uso mínimo; motor auxiliar em emergência | Óleo combustível pesado/baixo enxofre durante toda a rota |
| Emissões de CO₂ | Reduzidas na navegação | Elevadas e sensíveis ao preço do petróleo |
| Ruído no cais | Baixo | Médio a alto |
| Dependência do clima | Alta, exige planejamento meteorológico | Média, janelas mais flexíveis |
Riscos, ganhos e a conta para o produtor e para você
Há riscos: atrasos por calmarias, necessidade de ajustes na estiva para manter estabilidade sob vela e seguros que considerem rotas não padronizadas. Em troca, o frete pode se tornar mais competitivo quando o petróleo sobe, e os contratos com prêmios verdes ajudam a preservar margem. Para o consumidor, dois cenários convivem: cafés com certificações e narrativa de baixo carbono, com preço premium, e blends tradicionais que se beneficiam indiretamente de custos logísticos menores.
Por que a escolha de São Sebastião
O terminal investe em práticas ambientais e recebeu um selo verde, fator que pesou na seleção do ponto de embarque. A proximidade com regiões produtoras, acesso rodoviário e a possibilidade de operações dedicadas em janelas programadas favorecem cargas sensíveis como café e cacau. A logística enxuta entre armazém e cais reduz manuseio e riscos de contaminação de lotes especiais.
O roteiro do Anemos até a Europa
A estratégia prevê saída com vento de través na costa sudeste, dobra na altura do Atlântico Sul e, conforme condição, subida pelo Atlântico Central até a aproximação da Mancha. A primeira descarga ocorre em Fécamp, na Normandia, polo histórico de torrefação, antes do redirecionamento a clientes em diferentes países.
Janela de saída no sábado (1º) e travessia estimada em três semanas, a depender do regime de ventos.
O que muda no mercado do café
Para o produtor, a possibilidade de vender em contratos vinculados a transporte de baixo carbono abre portas com torrefadoras que buscam reduzir emissões em toda a cadeia. Para o exportador, diversificar modais diminui exposição a volatilidade do bunker e a gargalos em grandes hubs portuários. Para o porto, a volta do café consolida uma vocação de cargas limpas com valor agregado e melhora a ocupação de janelas operacionais.
Como isso pode chegar à sua xícara
- Rótulos “carbono reduzido” ganham espaço nas gôndolas e em cafeterias.
- Lotes de origem SP, MG, ES e PA podem ser destacados com rastreabilidade da rota.
- Promoções sazonais podem surgir quando o frete a vela barateia a rota em relação ao diesel.
Mais dados para quem acompanha de perto
O Anemos retorna a São Sebastião depois da escala inaugural em dezembro de 2024, período em que ocorreu a primeira exportação brasileira de café orgânico em navio movido a vento. A operação atual amplia o escopo: inclui cacau destinado à indústria de chocolates e reúne nove exportadores em um mesmo embarque. O desenho da carga privilegia estabilidade e rapidez na descarga na chegada, reduzindo tempo de atracação na Europa.
Para quem atua na cadeia, valem algumas práticas: monitorar previsões de vento com antecedência de 10 a 14 dias; planejar estoques de segurança nos armazéns; e comunicar, na etiqueta do produto, a economia de combustível obtida na travessia. Para cafeterias e supermercados, informar a origem e o modal pode atrair consumidores que já pagam mais por cafés especiais. Para o leitor que pensa no bolso, acompanhar a evolução dessas rotas ajuda a entender por que o preço do espresso sobe ou cai ao longo do ano.


