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“Desnecesárea”: por que é preferível que a mulher tenha um parto normal

by Redação taofeminino ,
“Desnecesárea”: por que é preferível que a mulher tenha um parto normal© iStock

A cesariana é uma cirurgia que salva vidas. O papo aqui, entretanto, é sobre a cesárea desnecessária e por que é preferível que a mulher tenha um parto normal com respeito e segurança. Por Juliana Couto

Summary
  1. · Quem escolhe a cesárea?
  2. · A vontade do médico e a vontade da mãe
  3. · O parto normal "industrializado"
  4. · Toda mulher pode parir
  5. · Be-a-bá do parto

Uma gestação dura, em média, 40 semanas. Quando o trabalho de parto acontece naturalmente, após o corpo da mulher apresentar uma série de sinais (contrações de treino, chamadas de pródromos; a saída do tampão mucoso; o primeiro leite, o colostro; entre outras situações que variam em cada organismo e acontecem em momentos variados), ela pode vir a ter um parto de duas maneiras: via “normal”, pela vagina; via cirurgia, a cesariana. A cesárea eletiva acontece quando a cirurgia é agendada e o nascimento do bebê é realizado fora do trabalho de parto. Previamente, é importante saber: bebês que nascem antes da 38ª semana e seis dias são considerados a termo precoce. Se nascerem entre a 39ª e a 40ª semana e seis dias são considerados a termo completo. Da 40ª até 40ª semana e seis dias são considerados a termo tardio. Da 42ª semana adiante, são considerados como pós-termo, segundo The American Congress of Obstetricians and Gynecologists (ACOG).

Quando a mulher engravida, uma quantidade absurda de informações começa a surgir. Outra quantidade imensa de dúvidas e questões também (provavelmente, junto com os vários sintomas da gravidez). Até que chega a hora de falar sobre o parto. E, sim, é preciso falar sobre ele. Acredite se quiser: definir a via de parto é tarefa complicada durante a gestação. A gestante, com o corpo em constante mudança e com diversos hormônios preparando o desenvolvimento e o caminho para a chegada do bebê, procura muitas informações para saber, principalmente, o que é melhor para o seu filho, mas também para ela mesma e para o seu corpo.

Quem escolhe a cesárea?

Nas últimas décadas, houve uma elevação nas taxas da operação cesariana em todo mundo, apesar da recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) desde 1985, que é objetiva: “não existe justificativa para qualquer região do mundo ter uma taxa de cesárea maior do que 10-15%”. Em estudo de 2015, cientistas da Universidade de Stanford concluíram que a taxa de cesárea ideal é de 19%. Sugerindo uma revisão nos dados da OMS, os cientistas registraram taxas de 50% na América do Sul, consideradas sem precedentes. O Brasil está entre os líderes mundiais: 55,6% dos partos são cesáreas, dos quais 90% são realizados no sistema privado de saúde. O que significa pensar que as mulheres, no geral, estão optando pela cesárea como via de parto principal. As brasileiras, como a única possível. A questão é: por quê?

De acordo com a ginecologista-obstetra Ana Thais Vargas (SP), 36, “as [mulheres] que optam por uma cesariana eletiva o fazem, em minha opinião, por medo do parto, da dor, da violência envolvida no processo (do parto normal), no modo como é feito hoje no Brasil, por desconhecimento das reais implicações da cirurgia em seus corpos e pros seus bebês, por pressão da família e dos companheiros, por ansiedade de querer ver logo seu bebê e por uma pressão dos médicos. Os profissionais envolvidos têm uma grande parcela de responsabilidade nessas cesarianas eletivas, são eles que influenciam suas pacientes e as desestimulam a prosseguir com a ideia de parto normal. O estudo Nascer no Brasil realizado pela Fio Cruz em 2014 mostrou que inicialmente mais de 70% das mulheres começam suas gestações querendo um parto normal, mas apenas 20% delas conseguem. Essas mulheres não são operadas sozinhas, os profissionais envolvidos têm claramente um papel importante nesses números.”

A cesárea salva vidas, quando bem indicada e bem realizada. É o que diz o estudo Caesarean Section — Past and Present (2009), de James Low, Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Queen’s University, Kingston (Ontário, Canadá), que também registra a importância de se garantir a cirurgia cesariana de modo seguro, a fim de reduzir a mortalidade materna, principalmente nos países em que não há estrutura adequada. Segundo a OMS, não existem evidências de que fazer cesáreas em mulheres ou bebês que não necessitem dessa cirurgia traga benefícios. Assim como qualquer cirurgia, uma cesárea acarreta riscos imediatos e a longo prazo. Esses riscos podem se estender muitos anos depois de o parto ter ocorrido e afetar a saúde da mulher e do seu filho, podendo também comprometer futuras gestações – os riscos são maiores em mulheres com acesso limitado a cuidados obstétricos adequados.

A vontade do médico e a vontade da mãe

“Meu bebê era pélvico [sentado]”, conta Mariana Castro (SP), 32, mãe de Pedro, nove meses. “Sei que não é indicação de cesárea, mas conheço os riscos do PN [parto normal] de bebê pélvico e meu médico já havia avisado que não faz PN de bebê pélvico em primigesta. Além disso, eu estava com 37 semanas e o bebê estava com 2600g. O médico me falou que já poderíamos marcar a cesárea porque já estava a termo. Falei que queria que ele nascesse com pelo menos 3 kg. Fiz a besteira de realizar um USG [ultrassonografia] uma semana depois, para avaliar o peso e vimos que ele tinha mantido. O médico começou a me pressionar a realizar a cesárea no máximo em três dias, pois ele ganharia peso melhor fora da barriga. Como eu já estava supercansada (sou professora universitária, estava muito difícil pegar condução e dar aula em pé) e sei que o peso estimado pelo USG não é fidedigno no final da gestação, optei por aceitar a cesárea com 38 semanas. O Pedro nasceu com 3075g e foi para a UTI com desconforto respiratório. Ficou 24 horas recebendo oxigênio. Me culpo muito por isso, mas ao mesmo tempo não estava mais aguentando manter a gestação, pois ele não topou me afastar para repousar e favorecer a recuperação da possível perda de peso do bebê. Me culpo também por ser enfermeira neonatal e me deixar levar por ele. Detalhe importante: esse GO [ginecologista-obstetra] é dito pró-PN, mas cobra para isso e não aceitei pagar desde nossa primeira conversa. Se fosse para eu ter meu filho de PN, daria entrada na maternidade em trabalho de parto para ter o bebê com os plantonistas.”

Fernanda Alves Gomes (SP), 31, mãe de Nina, um ano e dois meses, não tinha um bebê pélvico. Acredita que foi conduzida pela médica por causa da sua DPP (data prevista do parto), que era 24 de dezembro. “Chegando aos últimos meses da gestação, a médica foi tentando de toda forma me convencer a marcar uma data. Primeiro, alegou que os hospitais não tinham vaga para essa época do ano e que corria o risco de eu chegar ao hospital com bolsa estourada e não ter vaga. Ela tinha preferência por um hospital específico e em várias vezes ligou no hospital na minha frente e eles diziam que estavam lotados. E eu fui tentando postergar esse agendamento. Chegando mais ao final, ela arrumou outra forma de me convencer que foi a posição do feto, que era pélvico. Eu estudei e vi que era possível parto normal de bebê pélvico, que havia formas de desvirar o bebê (manobra feita em consultório, acupuntura, entre outros), comentei tudo isso com ela – fiz a acupuntura, inclusive – mas ela disse que nada disso existia, que nenhum médico no Brasil fazia parto normal de bebê pélvico, que não faria a manobra e que se eu não marcasse a data não teria o bebê no hospital que eu havia escolhido. Tive que marcar e assim o fiz. Hoje me arrependo demais de ter seguido as orientações dela. Vejo que fui enganada, conduzida ao longo de nove meses para uma cesárea, mesmo sinalizando desde o início minha vontade de um parto normal.”

O parto normal "industrializado"

Para ter um filho de parto normal atualmente, no Brasil, as parturientes passam por uma série de intervenções de rotina, muitas realizadas sem o consentimento, o que as caracteriza como violência obstétrica (que pode ser denunciada ao Ministério Público, por meio da Defensoria Pública do município em que a vítima reside). Muitas dessas intervenções já são consideradas obsoletas e desnecessárias e refutadas pela MBE, a Medicina Baseada em Evidências, que se vale de estudos científicos recentes para reestruturar a cultura do nascimento no mundo. Entre as intervenções de praxe estão a episiotomia (corte realizado no períneo, entre o ânus e a vagina, para “facilitar” a saída do bebê), e a injeção de ocitocina (o famoso “sorinho”), que acelera o parto e aumenta as dores das contrações. Além disso, muitas vezes, a parturiente é proibida de ter um acompanhante ao seu lado, apesar da Lei do Acompanhante de Parto (11.108), vigente desde 2005, que garante a parturiente um acompanhante no trabalho de parto, durante o parto e no pós-parto imediato (até 10 dias após o parto)

Pensar no parto normal dá medo. Pela cultura da dor, na qual somos criadas. Pela cultura da mudança do corpo. Por sermos levadas a acreditar, durante toda a construção social da nossa identidade feminina, que precisamos ser mães e quando o formos, nosso corpo vai mudar a ponto de não sermos respeitadas e/ou desejadas sexualmente. “Tudo o que não conhecemos nos assusta e nos dá medo. Quando não sabemos nada sobre um evento como esse [o parto], perguntamos pras mulheres que já passaram por ele como foi a experiência delas e grande parte do medo se agrava pelos relatos das mulheres que já tiveram seus filhos. Os relatos de violência obstétrica são apavorantes: fome, dor, solidão, agressões verbais, físicas e psicológicas fazem parte dessas histórias. A ideia de um sofrimento ganha corpo e ninguém quer isso pra si. Com esses relatos, a única reação normal é o medo. A informação, o empoderamento e a mudança de modelo de atenção ao parto são as únicas maneiras de mostrar pras mulheres que o parto pode ser prazeroso, um evento feliz e cheio de amor”, afirma a ginecologista-obstetra Ana Thais.

É importante que a gestante saiba: o parto normal padrão, muitas vezes marcado por violência obstétrica, e a cesárea eletiva, agendada fora do trabalho de parto, trazem consequências negativas para o binômio mãe-bebê. É essencial informar-se sobre todo o processo que envolve uma cirurgia cesariana e todo o processo de um parto normal. Segundo Ana Thais, “Informação sobre tudo: riscos da cesariana pra mulher, pro bebê, o conhecimento dos benefícios do parto normal, de esperar pelo trabalho de parto e de passar por ele, as reais indicações da cesariana e como ela pode e deve ser usada como um instrumento e não ser banalizada. Outra forma de mudar essa percepção é falar do parto com respeito à mulher e ao bebê que vem chegando, mostrar como tudo pode ser diferente da ideia geral e difundida de sofrimento. Tornar cada vez mais acessível para as mulheres acompanhantes, as doulas, sobre analgesia de parto e tantos outros artifícios que melhoram a experiência de parir.”

Toda mulher pode parir

Danielle Carvalho (RJ), 34, mãe de Julia, 10, e Laura, quatro meses, teve a sua primeira filha por meio de uma cesárea, sem entrar em trabalho de parto. “A minha GO anterior me enganou e contou duas semanas a mais [na contagem de semanas da gestação] e, na teoria, eu cheguei a 42 semanas e ela me convenceu de marcar a cesárea. Continuei com essa GO até 33 semanas de gravidez da minha segunda filha, ainda desejando meu parto normal. Mas, dessa vez, 10 anos mais velha e muito mais experiente e empoderada. Ela começou com o mesmo papo, contando duas semanas a mais do que a ultrassonografia indicava. Eu estava empoderada e iria esperar até entrar em TP (trabalho de parto) dessa vez. Mas quando conversamos a respeito do PN, ela me disse que não fazia sem intervenções. Eu teria que passar pela episiotomia e teria que tomar anestesia. Entrei em desespero! Queria muito meu parto normal e humanizado. Busquei uma doula, na esperança de achar uma GO humanizada que me aceitasse com 33 semanas e encontrei. Tivemos consultas semanais e com 38 semanas e 3 dias eu entrei em TP em 22 de setembro. Fiquei por 40h em TP. Mesmo com trabalho de parto franco, eu estava dilatando pouco. Não quis a anestesia porque estava com medo de não progredir na dilatação, que estava lenta mesmo. Mas como meu sonho era o PN, a GO comprou comigo. Na noite do dia 23 a bolsa estourou. No dia 24 pela manhã, a médica fez uma ecocardiografia e como estava tudo bem e como a dilatação ainda estava em 1,5 com a bolsa estourada resolvemos juntas que era hora da ocitocina. Mas a dilatação não veio, a Laura não desceu e eu comecei a sangrar muito, muito mesmo. E acabamos na cesárea. Eu sangrando muito e a bolsa estourada há mais de 24 horas. Mas foi uma cesárea linda e humanizada. Meia luz, e a bebê mesmo com mecônio nasceu com apgar 9/10 e veio para o meu colo direto. Pedi humanizado, sem pingar colírio, sem levar a bebê pra longe. Levou para o berçário só para pesar e medir. Quando cheguei no quarto, ela chegou comigo.”

A obstetra Melânia Amorim lista em seu blog as seis indicações reais da cirurgia cesárea e mais seis indicações relativas, que devem ser aplicadas individualmente, em cada trabalho de parto, que é único. Nesse mesmo texto, a obstetra lista as indicações falsas que muitos médicos indicam para as parturientes como determinantes para a realização de uma cirurgia cesariana. São 158 indicações. Segundo Ana Thais, “além das 6 indicações absolutas de cesariana listadas por ela, temos as indicações relativas, as indicações durante o trabalho de parto. Ritmo cardíaco fetal não tranquilizador, sustentado quando as manobras de ressuscitação intraútero já foram tentadas, apresentação pélvica em trabalho de parto quando não se tem uma equipe habilitada e segura pra conduzir esse tipo de parto, a real desproporção céfalo-pélvica, quando, mesmo após tentadas todas as manobras e ultrapassados os limites de tempo com dilatação total, o bebê não avança na descida nos planos da pelve da mãe, casos particulares de gestações de gêmeos e prematuros também podem ter cesarianas bem indicadas. De qualquer forma, cada caso é um caso e a avaliação de um profissional no momento do parto é imprescindível para as indicações de cesariana.” No momento do parto. Não estar em trabalho de parto significa, basicamente, que seu filho não está pronto para nascer. O seu corpo irá mostrar os sinais de que o trabalho de parto está se aproximando, assim como seu filho. Toda mulher entra em trabalho de parto. Toda mulher possui dilatação. Toda mulher pode parir naturalmente.

Be-a-bá do parto

Parturiente: a mãe em trabalho de parto.
Dilatação: a gestante entra em trabalho de parto quando tem mais de três centímetros de dilatação no colo do útero. A dilatação chega até 10 centímetros.
Pródromos: as contrações de treino, que podem acontecer durante dias ou semanas, com intensidade e duração de contrações variadas. Durante esse período, a parturiente pode perder o tampão mucoso e sentir dor nas costas.
Fase latente: Pode durar horas, um dia ou mais. As contrações são mais curtas, em geral de 30 a 60 segundos e relativamente espaçadas. Durante esse período, a mulher também pode perder o tampão mucoso e sentir dor nas costas.
Fase ativa: As contrações passam a ser regulares e duram um minuto ou mais. As dores na região lombar e no baixo ventre se intensificam.
Transição: As contrações ocorrem a cada dois ou três minutos e duram de 60 a 90 segundos, ou seja, os intervalos entre elas são curtos. É um período muito intenso – talvez seja o mais intenso – de todo o trabalho de parto, física e emocionalmente.
Expulsivo: Costuma durar desde algumas contrações até cerca de três horas. Você terá contrações fortes a cada três minutos. A dor diminui e é possível descansar entre as contrações. Você também poderá ficar mais lúcida e ativa. Conforme o bebê for descendo pelo canal de parto, sentirá uma pressão cada vez maior na vagina e no reto, junto com uma vontade incontrolável de fazer força. Quando a cabeça do bebê coroar, sentirá o “círculo de fogo”, ardor que acontece com distensão máxima do períneo.
Expulsivo da placenta: Acontece, em média, de 5 a 30 minutos depois do nascimento do bebê. As contrações são bem mais leves e espaçadas. O médico ou a parteira podem ter de massagear o útero para reduzir o sangramento, o que pode ser bem doloroso.*
Apgar: avaliação do bebê no primeiro e no quinto minutos de vida, realizada por um pediatra neonatologista.

*As informações sobre as fases do parto foram retiradas do site www.casamoara.com.br

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Redação taofeminino
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