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Próxima estação: fim do machismo (ou não)

by Isabella Villalba ,
Próxima estação: fim do machismo (ou não)© Thinkstock

Precisamos de um vagão só para nós? No dia 3 de julho, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou o projeto de lei 175/2013 que obriga a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e o Metrô a dedicarem um vagão exclusivo para mulheres em cada composição. Por Isabella Villalba e Fernanda Moura Guimarães

Summary
  1. · Segregação
  2. · Responsabilizar o abusador
  3. · Casos de abuso
  4. · Experiências passadas em São Paulo
  5. · Vagões exclusivos pelo Brasil

Está nas mãos do governador de São Paulo Geraldo Alckmin o projeto que incentiva a criação um espaço exclusivo para mulheres em cada um dos trens do Metrô e da CPTM. O “vagão rosa”, como foi apelidado, funcionaria de segunda a sexta-feira, exceto feriados, com o objetivo de evitar o assédio sexual, principalmente nos horários de pico. “É um lugar onde a mulher pode entrar, caso queira, para se sentir mais tranquila e segura, uma medida para aliviar o sofrimento feminino. Se algumas delas não forem assediadas por causa do vagão exclusivo, a ideia já terá valido a pena”, defende o deputado Jorge Caruso (PMDB), que propôs a lei.

A sugestão, segundo o político, surgiu com base em situações de abusos contra mulheres chamarem a atenção nos noticiários e conversas com usuárias do transporte público, principalmente na região de Capela do Socorro, na zona sul de São Paulo. Somente no início de 2014, a Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom) prendeu 33 homens que abusaram de passageiras. Caso a lei seja sancionada pelo governador, as empresas de transporte público terão 90 dias para se adaptar. A medida não impede o uso de outros vagões, caso as mulheres prefiram.

Segregação

Embora a intenção seja proteger a mulher de possíveis abusos, a crítica de ativistas, estudiosos e feministas é que o “vagão rosa”, em vez de ajudar, ampliaria a segregação de gêneros. “Longe disso. O vagão rosa é um ‘mal necessário’. Pode ser um passo pra trás, mas resolve o agora. Estamos há 500 anos discutindo sobre o machismo. No entanto, a mulher está sofrendo hoje”, defende o deputado.

"Há uma construção histórica machista principalmente na nossa sociedade, baseada no sexismo indígena, da escrava, usada como objeto sexual, da mulher branca que não tinha direito nenhum no passado. Há muitos homens e mulheres, inclusive, machistas", explica a professora de história da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rosana Schwartz. Rosana pesquisa gêneros e movimentos sociais há 25 anos e acredita que o vagão rosa andaria na contramão da evolução feminina: “A noção de que a mulher não sabe se defender sozinha ficaria mais forte. Ela está em outro patamar, cada vez mais independente. Em vez de reforçadas, as diferenças de gênero precisariam ser descontruídas. Quando há separação, seja no trem ou ônibus, a pessoa é vista como incapaz”, afirma.

Responsabilizar o abusador

Melissa de Miranda, jornalista e ativista pelos direitos humanos, também se opõe à implementação do vagão exclusivo e reforça que os homens não devem ser tratados como seres irracionais, incapazes de autocontrole ou de assumir as consequências pelos seus atos. "A medida coloca nas mãos das mulheres a opção de 'se afastar dos riscos' e não nas costas dos homens a responsabilidade pelos seus atos. Isso é problemático. Se existe uma situação de violência, a solução não é simplesmente remover a vítima do espaço público. E, sim, coibir os agressores", argumenta. "Ainda que sejamos maioria entre as vítimas, os homens também podem sofrer violência sexual e as mulheres também podem agredir outras pessoas. O vagão não garante a segurança de nenhuma dessas vítimas”.

A jornalista levanta outra questão complexa: "Onde entrariam as pessoas andrógenas? E as mulheres trans? E as travestis? Esses são alguns dos grupos que mais estão sujeitos à violência no nosso país e que podem não ter a sua identidade feminina reconhecida pelos fiscais do vagão e pelas outras passageiras".​

Casos de abuso

A vendedora Andrea Lourenço, 40, mora em São Paulo e já sofreu tentativas de abuso sexual no transporte público. Em uma das situações, ao perceber que estava sendo tocada, tentou se afastar do sujeito. Em vão. Foi aí que ela resolveu pedir para o homem se afastar e alertou o resto das pessoas que estavam no vagão do Metrô. Surpreendeu-se: não houve uma reação sequer.

​"Ninguém ali se manifestou. Todo mundo se cala", desabafa. O assediador, assustado com a acusação inesperada, desceu na estação seguinte. "Vivo com medo de ser abusada. Fico atenta não só por mim, como para outras mulheres", diz Andrea, que também já testemunhou casos parecidos com o dela. Diante de circunstâncias tão cruéis, Andrea quebra o silêncio - se vê a violência, ajuda e defende a vítima.

​Andrea ainda não sabe se aprova ou não a implementação dos novos vagões exclusivos. "Quem já sofreu abuso no metrô se sente sem proteção, acho que a mulher tem o direito de escolher estar em um vagão exclusivo para se proteger, mas não sei se é a medida mais correta...Ninguém consultou a população, as mulheres, para saberem se elas querem um vagão próprio ou que acham disso. Para mim, politicamente, deveria ter tido algum plebiscito", opina.

Experiências passadas em São Paulo

Entre 1995 e 1997, a CPTM destinou vagões preferenciais para mulheres em São Paulo, a pedido de 4,6 mil usuárias de Mauá (SP) que fizeram um abaixo-assinado. A medida teve 60% de adesão, de acordo com informações do site do Ministério dos Transportes.

Contudo, dois fatores teriam impedido a continuidade da ação: a Constituição, que estabelece a igualdade de direitos entre homens e mulheres, o que levou a companhia a optar por vagões preferenciais, e não exclusivos. O segundo motivo, a superlotação, que tornava impossível manter espaços para grupos seletos.

Vagões exclusivos pelo Brasil

No Rio de Janeiro, a ideia foi implementada há 8 anos. “Apesar de ser um grande centro urbano, o Rio é também uma cidade de cultura praiana. Pelos estudos já realizados, a medida não diminuiu o sexismo e o abuso contra a mulher. Simplesmente, no momento de separação em vagões diferentes, o abuso não acontece. Depois do desembarque, a vida continua igual”, constata a especialista.

Há um ano, o metrô do Distrito Federal também adotou a medida. O vagão feminino existe em países como Índia, México, Japão, Egito, Irã, Indonésia, Filipinas, Malásia e em Dubai – culturas orientais onde a mulher também é considerada submissa ao homem.

A mudança social deveria ir além do transporte público. Como um todo, a sociedade deve transformar os pensamentos: “É preciso um trabalho forte de educação, tanto para homens quanto as mulheres. Campanhas, leis, regras, fiscalização melhor para impedir abusos. A cultura precisa mudar para o homem que acredita que a mulher está à disposição dele pense diferente. E para a mulher que condena a vítima de abuso porque ‘está com uma roupa inadequada’, por exemplo, mude também”, afirma Rosana.

Não se cale: denuncie casos de violência contra a mulher.

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Isabella Villalba
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